Das redes de ódio ao poder digital: Como a participação digital pode virar o jogo
Foto: 8 de janeiro - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Por Mário Sérgio*
Recentemente, a relação de pessoas relacionadas ao banco Nubank com o Brasil Paralelo trouxe à tona muitos debates na sociedade. Segundo a matéria do The Intercept Brasil, existem evidências de que a empresa pode ter acobertado um funcionário, que hoje é diretor do Brasil Paralelo e supostamente criador de um fórum anônimo chamado 55chan, conhecido pela disseminação de discurso de ódio e desinformação. Esse episódio ilustra como certas estruturas ideológicas têm livre trânsito na Faria Lima e acesso a profissionais, que possuem a capacidade de criar ecossistemas de comunidade refinados.
Alguns grupos têm se mostrado altamente competentes no uso de tecnologias digitais para ampliar sua influência e disseminar suas ideias. Eles se aproveitam de plataformas de redes sociais, fóruns anônimos e outros espaços digitais para construir e fortalecer suas bases. Esses grupos não só têm acesso a capital, mas também a pessoas que sabem como criar e manter essas comunidades.
Nesse ambiente, lidar com informações falsas entrou para a realidade da vida das pessoas. Uma pesquisa do Instituto Locomotiva obtida com exclusividade pela Agência Brasil revelou que quase 90% dos brasileiros admitem ter acreditado em fake news: “O maior risco da desinformação para 26% da população é a eleição de maus políticos, enquanto 22% acreditam que o perigo maior e atingir a reputação de alguém e 16% avaliam como maior problema a possibilidade de causar medo na população em relação a própria segurança. Há ainda 12% que veem como maior risco prejudicar os cuidados com a saúde.”. A própria Organização Mundial da Saúde monitorou o que eles chamam de infodemia, durante a pandemia de covid-19, que seria um um excesso de informação, incluindo informações falsas ou enganosas, em ambientes digitais e físicos. Ela causa confusão e comportamentos arriscados que podem prejudicar a saúde. Também leva à desconfiança nas autoridades de saúde e mina a resposta de saúde pública.
Desafios institucionais: as respostas estão vindo de Brasília?
Infelizmente, as soluções para enfrentar a estrutura extremista que promove o ódio e a intolerância não sairão de Brasília.O Congresso Nacional tem se mostrado omisso e covarde, adiando votações para fazer as regulações necessárias para as redes sociais e a inteligência artificial, por exemplo. Sem essas normatizações, o ambiente digital continua sendo um terreno fértil para a disseminação de desinformação e discurso de ódio.
O Governo Federal, por sua vez, parece estar perdido, mesmo com o desenho promissor de novas diretorias de políticas digitais, participação digital e comunicação em rede. A falta de uma direção clara para construir arranjos democráticos de tecnologia, orçamento para as pastas e a ineficácia na implementação de políticas robustas agravam a situação. A impressão que temos é que a alta gestão do governo não está sensível ao tema ou quando busca fazer algo, apresenta saídas que não são efetivas.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem sido um dos principais atores a enfrentar a desinformação propagadas por essa infraestrutura durante os períodos eleitorais, que é o jeito mais difícil de lidar com a situação, pois isso acaba sobrecarregando o judiciário e colocando-o como o grande vilão da liberdade de expressão na maior parte da opinião pública.
Além da questão regulatória, é estratégico pensarmos em disputar o tempo das pessoas nas redes para que elas gastem sua energia com engajamento em contribuir e fiscalizar o governo em todas as camadas, desde a municipal até o nível federal. A participação social é um dos pilares mais importantes para fortalecer a democracia e combater a polarização. É fundamental que cidadãos estejam engajados nas decisões que afetam suas vidas e comunidades. Para isso, é necessário criar e fortalecer mecanismos de participação em políticas públicas.
Os conselhos municipais, audiências públicas e consultas públicas são ferramentas que permitem que a voz da população seja ouvida na formulação de políticas. Além disso, é crucial incentivar a criação de plataformas digitais que facilitem a participação e a transparência, permitindo que mais pessoas se envolvam no processo democrático.
Infraestrutura pública de acesso à internet
Como sociedade, nós enfrentamos a ironia de ter que pagar para ler artigos acadêmicos, que estão trancados em plataformas fechadas, enquanto todos têm livre acesso para ler de forma gratuita mentiras sobre vacinas e teorias da conspiração como a Terra plana. Além disso, enquanto prefeitos aprovam planos diretores que atendem apenas aos interesses dos ricos, a população mais pobre gasta tempo lutando contra fantasmas inexistentes criados pela extrema direita. Essa disparidade destaca a necessidade urgente de uma infraestrutura pública de internet que promova o acesso equitativo ao conhecimento e permita uma participação cidadã mais informada e ativa nas decisões políticas.
A democratização do acesso à internet é um passo indispensável para garantir que a população mais vulnerável não fique refém de grandes corporações como Facebook e Starlink, que possuem acordos com empresas de telefonia no Brasil. Essa infraestrutura deve ser desenvolvida, como contraponto aos ecossistemas de desinformação, e com o objetivo de promover a inclusão digital e garantir que todos tenham a oportunidade de se conectar, aprender e participar ativamente da sociedade.
Outra preocupação é que a qualificação do acesso à internet vai além de apenas garantir a conectividade. É necessário ter políticas de letramento digital sobre o uso crítico das tecnologias digitais. Programas de alfabetização digital são fundamentais para capacitar as pessoas a identificar fake news, entender o funcionamento das redes sociais e participar de debates informados e construtivos.
Além disso, é essencial promover o uso da internet para a participação em decisões políticas locais. Ferramentas digitais que facilitem a participação cidadã podem transformar a maneira como as pessoas se envolvem com suas comunidades.
Ocupar os espaços digitais
A sociedade civil precisa entrar mais forte na luta contra a desinformação e a manipulação digital promovida na internet. Não podemos esperar que soluções venham de um parlamento omisso ou de um governo federal apático. É hora de disputarmos o tempo e a atenção das pessoas nas redes, redirecionando suas energias para o engajamento cívico e a fiscalização do governo em todas as esferas. Precisamos exigir a criação e fortalecimento de mecanismos de participação em políticas públicas e a democratização do acesso à internet.
Chegou a hora de agirmos. Mobilize-se. Participe. Exija transparência. Somente assim conseguiremos virar o jogo na era do domínio tecnopolítico da extrema direita e construir um futuro onde a democracia prevaleça.
*Mário Sérgio é Cientista da Computação. Conselheiro do Instituto Cidade Democrática. Membro da OKBR e membro da Associação Python Brasil.